“O MPLA
tem medo do cidadão”
O líder da CASA-CE, Abel Chivukuvuku,
fala sobre os seus projectos de superação do “Eduardismo” em Angola.
Por Domingos Bento
Fotos de Ampe Rogério.
"O
MPLA tem medo do cidadão"
Abel Chivukuvuku, presidente da CASA-CE |
Natural do município do Bailundo, província
do Huambo, Abel Epalanga Chivukuvuku, agora com 57 anos, integrou a UNITA
durante 30 anos, tendo em 2012 abandonado o partido para criar a Coligação
Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE). Ano em que se
candidatou à presidência da República, terminando em terceiro lugar.
Formado em Telecomunicações Militares e
Serviços de Inteligência Militar na Alemanha, o político concluiu ainda uma
licenciatura e mestrado em Relações Internacionais pela University of South
Africa, onde também se especializou em Administração do Desenvolvimento e
Comunicação.
Abel Chivukuvuku é um dos actores da
vida política nacional mais activos. Nesta entrevista, fala sobre o estado do
país, apresenta os projectos que colocaria em prática caso estivesse no poder e
analisa o impacto da guerra civil em diversos sectores da sociedade angolana.
Como está, de uma forma geral,
a situação política actual do país?
Angola tem características específicas
que precisam de ser sempre consideradas. Depois de muitos anos de conflitos,
temos um país em paz, conquistada com o contributo de todos os angolanos. É
importante destacar o papel do Presidente da República, na sua qualidade de
chefe de Estado, para esta conquista, e também do cidadão Paulo Lukamba Gato,
na altura, chefe da Comissão de Gestão da UNITA, ambos decidiram seguir o
caminho da paz.
Neste momento, temos o desafio da
estabilidade. E no que diz respeito a este factor, há um equívoco que está
directamente ligado à existência de duas escolas distintas que apresentam
diferentes caminhos para atingi-la. Uma defende a teoria de que a estabilidade
em África deve ser garantida por chefes fortes, autoritários, etc.; e outra
defende que esta deve ser garantida por instituições públicas e processos políticos
funcionais, legítimos e transparentes.
Das duas, a que defende é…
A última, a teoria das instituições.
Sobre a primeira, a que apela à estabilidade através de chefes fortes, já temos
provas que são sistemas que falham. Por exemplo, a Côte d’Ivoire era,
supostamente, um país estável que cimentava esse equilíbrio na pessoa do
presidente Houphouet-Boigny. Quando o presidente desapareceu, o país ficou no
caos, porque não existiam instituições fortes e legítimas, nem processos políticos
transparentes.
No nosso caso, precisamos de resistir à
tentação de pensar que o factor de estabilidade em Angola é o Presidente da República
José Eduardo dos Santos, porque não é. A mesma tem que ser fortificada através
das instituições: a Assembleia Nacional, o executivo, os tribunais, e todos os
outros órgãos que fazem parte da estrutura do Estado. São eles que devem ser
fortalecidos. Actualmente, tanto as assembleias quanto os tribunais andam a
reboque do executivo, e desta forma em nada se está a contribuir para uma
estabilidade futura.
Depois, ainda temos a questão da “democracia”
em Angola. Do ponto de vista legal, constitucional e jurídico é um país democrático
mas, na prática, somos ainda um Estado em transição para a democracia, porque
nem todos os atributos da mesma estão presentes na vida nacional.
Que atributos estão ainda em
falta?
A democracia tem uma série de
atributos. O primeiro é o da liberdade, onde não há liberdade não pode haver
democracia. E, no nosso caso, temos aquilo a que chamo de liberdade “a várias
velocidades”. Há espaços geográficos em Angola onde há um leque de liberdade
mais abrangente, como em Luanda e Benguela, mas à medida que se vai para o
interior, a liberdade dos cidadãos é condicionada. As entidades limitam muito a
liberdade.
Por exemplo, a nossa constituição
garante a liberdade de manifestação, de opção, de reunião e de circulação, mas
as manifestações não são permitidas neste país. Ainda temos um défice em termos
de liberdade.
O sistema democrático pressupõe também
pluralismo, e nesse aspecto julgo estarmos bem, a lei permite-o e tem vindo a
implementar-se.
Ainda, para além da liberdade e do
pluralismo, pressupõe a existência de órgãos de comunicação social públicos,
apartidários, equilibrados, e que garantam o pluralismo das ideias. No nosso
caso, esses orgãos estão completamente dominados e manipulados por um só
partido, tanto a Televisão Pública de Angola (TPA), como o Jornal de Angola ou a Rádio
Nacional de Angola… Portanto, estamos mal em termos de circulação de ideias
e de ideais, porque ainda não temos órgãos de comunicação social públicos
transparentes e abertos.
Por último, num sistema democrático, a
lei aplica-se de igual forma a todos, o primado da lei. Em Angola, o regime tem
optado pela interpretação casuística da mesma. Portanto, quando as normas
legais convêm, implementam-se; quando não convêm, não se implementam. Temos até
o caso do próprio Presidente da República ser também um violador da lei.
Apresentando um caso específico, a lei exige a implementação do princípio da
existência do Conselho da República, e o presidente mandou esse aspecto “passear”
… Ou seja, o primado da lei é inexistente, apenas se segue aquilo que interessa
em determinados momentos.
Encontra motivos para que as
plenárias da Assembleia Nacional não passem em directo nos órgãos de comunicação
social públicos?
O MPLA tem medo do cidadão, quem
manipula não pode permitir ao cidadão ver a verdade. Ora se o MPLA tem mais de
cem deputados e a oposição pouco mais de trinta, não tem esse partido
argumentos para demonstrar ao cidadão o que os representantes do MPLA pensam? É
uma tentativa de afastar o cidadão da verdade.
“Não somos fatalistas, não
ficamos parados.”
Dois anos depois da sua fundação,
como se encontra a CASA-CE?
Criámos a CASA-CE numa conjunção de
vontades, ideias e visões. É por isso que a CASA se chama “convergência ampla”
de vários pensamentos. Temos o propósito fundamental de trazer aos angolanos
uma nova opção, uma terceira via em termos da realização do cidadão.
Participamos nas eleições de 2012, quatro meses depois da criação da CASA.
Ainda não atingimos todos os objectivos, mas transformamo-nos na terceira força
política nacional. O nosso principal propósito é representarmos uma alternativa
para a governação de Angola. Sermos a principal força política.
E o que está a ser feito para
atingir esse objectivo?
O congresso extraordinário de 2013
adoptou uma estratégia cuja primeira dimensão trata-se do crescimento baseado
em duas perspectivas. Fazermos com que a CASA-CE, em 2012, nos quatros
primeiros meses, com representação nas grandes cidades e grandes vilas, hoje
possa estar em todo espaço territorial do país, em todos os municípios. Podemos
dizer que, dos 261 municípios que o país tem, hoje estamos em mais de 240
deles. E queremos, até ao final do ano, chegar a todos. O outro aspecto deste
crescimento direcciona-se para o processo de ter todos os objectivos
estabelecidos pelo Congresso Extraordinário, até 2016, chegarmos a um mínimo de
três milhões de membros inscritos. E temos feito esforços no sentido de
conseguirmos isso.
Qual o papel que desempenha,
directamente, nesse processo?
Nesta estratégia de crescimento, o meu
papel na qualidade de presidente é, para além de orientar na generalidade todas
as actividades da CASA-CE, aprovar e implementar um programa denominado “15-15″.
Significa que todos os meses fico quinze dias em Luanda, ocupando as minhas
tarefas gerais de orientação e de direcção; e nos outros quinze dias fico numa
outra província nacional a trabalhar. Neste momento já estive nas províncias do
Uíge, Kwanza-Sul, Malanje, Bié, Benguela e Lunda-Norte. Estou agora a
preparar-me para Cabinda.
O que pretende levar de
concreto para estas províncias?
Quando vou as províncias, levo comigo o
programa que se chama: “Ver, ouvir e partilhar”. Ver porque entendo que os
responsáveis devem sair um bocado dos escritórios daqui em Luanda, e viverem o
país real; ouvir as pessoas, os actores e responsáveis partidários, a
administração do Estado, os governantes as autoridades tradicionais e eclesiásticas
e, claro, ouvir o cidadão. Mas também constatar, ver as coisas, sobretudo como é
que vai a qualidade da governação, o ambiente político nestes municípios em
termos de pluralismo, democracia da reconciliação e irmandade. Por outro lado,
avaliar também como é que se encontra a dimensão da vida social das populações
em termos de saúde, educação, emprego, energia, água e estradas.
Porque é a Coligação diferente
dos outros partidos políticos?
Temos uma visão diferente daquilo que
achamos que devia ser Angola. Temos uma atitude diferente de como fazer política
e, sobretudo, trazemos para o país a esperança. Não somos fatalistas, não
ficamos parados.
A oposição critica a falta de
alternância no MPLA e também no aparelho do Estado. Haverá espaços para novas
vozes e para que elas possam, eventualmente, assumir o comando da CASA-CE?
Os nossos estatutos determinam que o
presidente da CASA-CE não pode ter mais que dois mandatos. Isso é fixo. Estou
no primeiro mandato e depois do segundo acaba a minha liderança. Portanto, não
há flexibilidade, isso é estatutário e os estatutos estão no Tribunal
Constitucional.
Num dos seus discursos, referiu
que a expansão da CASA-CE por todo o território nacional marcaria o fim da era
do “Eduardismo”. Continua com esta convicção?
Não há estadistas que ficam toda a
vida, a alternância é um factor de vida humana. A CASA-CE está a procurar
afirmar-se no país para poder ser a alternativa, trazer uma visão e modelo
novos de governação para o país. Foi por este pressuposto que deliberadamente
decidi sair do parlamento. Para ter o meu tempo e fazer o meu programa, mas
também para deixar bem claro à sociedade que não estou na vida política para
ser deputado. Estou na vida política para servir o país.
Solidifica-se uma ideia de que
a oposição é conhecida por ter um desempenho melhor no sul do país, sobretudo
em áreas umbundo, do que no norte. Ao que acha que se deve este facto?
Primeiro acho que isso não é verdade.
Essa é a visão de quem não anda pelo país, é completamente errada. Quem
acompanha as nossas actividades políticas sabe que, do ponto de vista de
estrutura da CASA-CE, temos mais gente do norte do que do sul. Ultimamente, as
nossas deslocações têm sido mais para o lado norte, é certo, somos aceites em
todos os lados por onde passamos, as populações andam sempre à nossa volta,
somos de Angola. Por outro lado, o caso da CASA-CE não pode ser visto num
pacote geral da oposição. Não temos nada a ver com as outras forças da oposição,
nem com o partido maioritário. Não temos uma base étnica especificamente
definida. Somos de todos os lados de Angola.
Nas últimas eleições a oposição
acusou o MPLA de vencer por meio de fraude. Dois anos depois não houve qualquer
consequência. Partilha da mesma opinião?
Infelizmente os nossos processos, tanto
na preparação como na execução, não são transparentes, nem equilibrados e nem
justos. E não precisamos sequer olhar para os processos eleitorais, basta
olharmos para o contexto presente, em termos de vida política nacional.
Observar como é que se comportam os órgãos de comunicação social do Estado. É
suficiente para demonstrar que não há lisura, não há igualdade dos partidos políticos.
Os órgãos de comunicação social públicos apenas fazem a propaganda do partido
no poder. Outro caso: a administração pública, que está toda partidarizada. A
resposta está aí.
Mas então acredita que houve
fraude?
Basta ver o comportamento do partido no
poder. A fraude não é só na hora em que se fazem os votos, todo este quadro
preparatório ajuda a perceber o contexto em que as eleições foram realizadas,
se houve transparência ou não.
Quais os motivos que encontra
para que as plenárias da Assembleia Nacional não passem em directo nos órgãos
de comunicação social públicos?
O MPLA tem medo do cidadão, quem
manipula não pode permitir ao cidadão ver a verdade. Ora se o MPLA tem mais de
cem deputados e a oposição pouco mais de trinta, não tem esse partido
argumentos para demonstrar ao cidadão o que os representantes do MPLA pensam? É
uma tentativa de afastar o cidadão da verdade.
Acredita que tem possibilidade
de vencer as próximas eleições presidenciais?
Se não acreditasse não estaria a fazer
este percurso. Estou a caminhar pelo país, para viver com as pessoas e sentir
os seus problemas. Primeiro, para que eu próprio possa adquirir uma noção mais
objectiva daquilo que é o país e, segundo, para levar a mensagem da CASA aos
cidadãos, para que eles possam confiar nele. Por fim, para ser conhecido por
todos os cidadãos.
“Em África, o processo democrático
não foi feito por convicção”
Reclama-se de intolerância política.
Partilha a mesma inquietude?
Não se faz democracia sem democratas.
Na minha percepção, a revolução democrata mundial, que ganhou um novo impacto a
partir dos anos 1989 com a queda do Muro de Berlim, ficou desajustada das
filosofias comunistas e etc.. Tudo isso gerou um novo momento da democracia no
mundo. Em África, salvo algumas excepções, esse processo democrático não foi
feito por convicção. Eu considero que aquilo que tivemos em África foi uma
tentativa de metamorfose. Por exemplo, o MPLA e o presidente José Eduardo dos
Santos durante muito tempo abraçaram a filosofia marxista-leninista do partido único
e não eram a favor da democracia. De repente, por causa do contexto mundial,
deixaram de ser comunistas e passaram a ser democratas. Será que acreditam
mesmo ou foi só conveniência? No entanto, felizmente, o presidente José Eduardo
dos Santos tem sido honesto nisso. Tem dito que a democracia foi forçada em
Angola, que não há convicções. Ninguém se propõe a concretizar algo no qual não
acredite. É por isso que temos esses casos de intolerância política… As pessoas
não têm convicções democráticas.
Os angolanos orgulham-se do país?
Mesmo com todas estas dificuldades, todos
nós devemos ter orgulho do nosso país, apesar das distorções e dos caminhos que
o actual governo tem trilhado. Mas temos também que ter vontade de participar
para transformar as coisas negativas, precisamos de uma visão de uma Angola
melhor e positiva. É necessário fazer esforços para participar neste processo
de transformação.
Tem existido vontade dos
dirigentes nesse sentido?
Eu considero que o MPLA como tal e,
sobretudo, os dirigentes principais, não têm vocação nem vontade política de
concretização das transformações profundas que o país exige. Mas a própria
sociedade exige ao MPLA alguns passos, não podem ficar parados, se não vão
ficar mesmo relegados ao passado, na história. Há partidos que nascem e
crescem, mas que também podem ficar para trás, desaparecer. Se o MPLA não tiver
a convicção de que hoje se exige mais, do ponto de vista da governação, de
acabar com a corrupção e com a insensibilidade perante a pobreza, pode ficar
para trás.
Quando se lembra do momento polémico
pelo qual atravessou devido a uma declaração sua onde afirmava que era necessário
transformar Angola numa Somália, o que lhe vem à mente?
O espírito de manipulação do governo.
Eu não disse que era preciso “somalizar” Angola, apenas alertei para os
cuidados a ter para evitar uma “somalização” em Angola. E como é que me veio
essa palavra, “somalização”? Eu explico: dias antes, havia estado com alguns
senadores americanos que já tinham tido a oportunidade de visitar Luanda. Nessa
reunião eles explicaram-me que estavam a vir da Somália, que quando lá
estiveram depararam-se com dois presidentes, e tiveram que reunir com cada um
em locais diferentes. Numa ocasião em que falei na Rádio Nacional, onde me
colocaram esta questão, a gravação foi ouvida e, de facto, eu dizia exactamente
que devíamos ter cuidado para que evitássemos a “somalização” do país. Foi
apenas um alerta.
Então não passou tudo de um
mal-entendido?
Não foi um mal-entendido, foi uma
manipulação intencional. Temos um regime manipulador que deturpa os factos e as
palavras. Eles são os únicos que estão sempre certos. Por exemplo, eles
ganharam a guerra, mas nunca mataram ninguém. Como é que alguém ganha uma
guerra sem matar?
A sua imagem esteve muito associada
aos EUA. Qual é a sua relação com este país?
Esteve associada porque as pessoas o
quiseram fazer, eu vivi em muitos sítios. Dos cinquenta países africanos, vivi
pelo menos em cinco e conheço cerca de quarenta. Vivi também em Portugal e
ninguém diz que sou amigo dos portugueses, ou em Inglaterra. E também vivi nos
Estados Unidos, é um grande país.
A homossexualidade é “um desvio”
Vem de uma família tradicional,
de uma linhagem de reis. Como é que encara o diálogo actual entre a tradição e
a modernidade em Angola? Será possível preservar os traços da cultura angolana?
Temos que ter a capacidade de assumir o
que somos em tudo aquilo que são valores positivos da nossa essência e da nossa
africanidade. Mas não podemos ter medo da modernidade ou da globalização.
Obviamente que a nossa cultura nos passa valores positivos. E não podemos ter
medo da relação tradição/modernidade na Angola actual. Devemos saber manter os
nossos valores tradicionais, aceitando também as influências externas com uma
certa medida e equilíbrio. Não ter medo das novas tecnologias e globalização.
Alguns países africanos, como o
Uganda, têm se destacado na imprensa internacional por uma política de combate à
homossexualidade, argumentando que a mesma não é um costume africano. Qual é a
sua opinião em relação a este tema?
É possível que me considerem
conservador nessa dimensão, eu tenho uma visão muito clara sobre isso: se a
natureza fez a relação homem/mulher enquanto aquela permite a continuidade das
gerações – gerando filhos-, então qualquer outro tipo de relação neste aspecto é
desviante. Se Deus admitisse a homossexualidade, essas relações gerariam
filhos. Mas Deus achou que a continuidade da natureza humana só é possível na
relação de um homem com uma mulher. Por isso considero que aquilo que é mais
humano é a relação heterossexual. Tudo o resto são desvios.
“Não faço política na igreja”
Fala daquilo que, no seu
entender, Deus consideraria. Tem uma vida religiosa?
Fui evangélico congregacional, cresci
nesse meio. Mas hoje, por opção, sou católico.
A CASA-CE relaciona-se
politicamente com entidades religiosas?
Não, e nunca o faremos. É preciso
separar as coisas. Eu não faço política na Igreja, quando vou à igreja, vou
como crente, não como político.
E a questão dos Direitos
Humanos no país?
Penso que ainda temos caminho a
percorrer. O facto de estarmos em paz permitiu alguns passos, já não existe
tanta arbitrariedade como aquela que existia no passado. No entanto, ainda há
muitos domínios nos quais precisamos de movimentos concretos e positivos para
evitarmos situações tristes como aquela em que a própria policia mata o cidadão,
ou a de pessoas a serem agredidas por se manifestarem ou reclamarem pelos seus
direitos básicos. Tudo isso tem que acabar, a minha avaliação é que ainda temos
um longo caminho a percorrer.
Quando analisa os números que
indicam um crescimento económico do país mas que, no entanto, não se encaixam
com os indicadores sociais que continuam baixos, o que pensa?
Angola cresceu imenso nos últimos dez
anos, e tem potencial para continuar a fazê-lo. Esse crescimento é o resultado
de uma conjunção de valores, como, por exemplo, o crescimento da produção do
petróleo, passamos do 700 ou 800 mil barris por dia para valores que se
apresentam entre 1,5 e 1,8 milhões de barris/dia, numa altura em que o preço do
petróleo no mercado internacional também subiu. A estratégia de diversificação
da economia ainda não está a surtir os seus efeitos porque ainda temos uma
economia de enclave, fundamentalmente dominada pelo petróleo. No entanto, esse
crescimento não se faz acompanhar de desenvolvimento, a nossa população ainda é
maioritariamente pobre. Ao andar pelo país, constatamos a miséria que ainda se
arrasava a vida das pessoas.
Há culpas a atribuir no que
toca à situação de desigualdade social em Angola, em relação à pobreza à qual
se refere?
Sim, a responsabilidade é de quem está
no Governo. Nós ouvimos uma afirmação do Presidente da República que dizia que,
quando ele assumiu o poder, a pobreza já existia. Mas a questão não pode ser
colocada dessa forma, é obrigação dele dar resposta, tomar medidas para que a
população deixe de ser pobre. A culpa é dele e de quem está no Governo. Há um
ditado que diz que, “quem não conhece o teu sofrimento não pode resolver o teu
problema”, e o problema é que os governantes não andam onde há pobreza. Estes
dias, tenho andado pelos bairros de Luanda, na lama, a falar com os cidadãos. É
preciso olhar para isso, porque, caso contrário, vamos ter uma imagem errada do
país que temos e fazer opções erradas.
Que alternativas apresentaria
se estivesse no poder?
Em primeiro lugar, descentralizar a visão.
Temos que pensar no cidadão, investir na pessoa humana. Ou seja, antes de mais,
é preciso ser uma pessoa saudável, implicando o acesso ao saneamento básico,
alimentação digna, habitação, energia e água – investir nas questões primárias
das pessoas. E depois reunir esforços no que toca ao desenvolvimento humano, na
escolaridade e escolas de qualidade. A partir daqui, é criada uma estrutura que
vai garantir o progresso da sociedade. Todavia, reconheço que é preciso algum
investimento no betão, nas estradas e pontes. Mas tem que ser de uma forma
estruturada para que isso sirva directamente as pessoas. Para que elas, de
facto, possam evoluir em termos de estrutura humana. E a escola é fundamental
para libertar o cidadão e para permitir essa evolução. Além disso, temos muita
exclusão. Um país onde a democracia e a liberdade não estão bem assentes, onde
a pobreza é a característica principal, é um país que ainda tem exclusão. E
isso significa que não estamos a respeitar o princípio constitucional da
igualdade entre os cidadãos. Basta ver que ainda temos centenas de crianças
fora do ensino. Uma criança que vai à escola e a outra que não vai têm
oportunidades iguais? Claro que não. Estamos a fazer a exclusão, estamos a ser
injustos. E ainda há a questão de no nosso país existir ainda o sistema da “cunha”
e de determinado nome…
A disparidade entre as novas
centralidades que vão nascendo um pouco por todo país e os bairros periféricos
de Luanda onde ainda são visíveis os altos níveis de pobreza, faz parte desta
exclusão a que se refere?
Representa sobretudo a clarificação de
que o Governo, hoje, desistiu da requalificação urbana. Constroem-se novas
centralidades, mas abandona-se as antigas comunidades e bairros, que continuam
na mesma. E até com um aspecto negativo acrescentado, aquele que revela que não
estamos a conseguir estancar o crescimento caótico e desordenado de grande
parte das cidades do país. Angola tem um crescimento urbano desordenado.
É contra a construção das novas
centralidades?
Não, mas considero que o modelo que está
a ser implementado não é eficaz. As novas centralidades estão a transformar-se
em dormitórios, sem vida própria. Por exemplo, a centralidade do Kilamba é um
dormitório, de manhã toda a gente vem para a cidade e só regressam ao fim do
dia. É um modelo que desestrutura a vida familiar, as pessoas têm que sair às
4h da madrugada e voltam às 22h, sem tempo para estar com a família. O conceito
de centralidade devia inserir também pólos de desenvolvimento para que as pessoas
trabalhem à volta das próprias centralidades, sem a necessidade de virem para o
centro da cidade. Toda a vida do cidadão devia ser feita lá, com escolas,
hospitais e outras infra-estruturas. O modelo não foi bem concebido, devia
haver indústrias à volta e a descentralização de serviços administrativos.
Considera a presença massiva de
estrangeiros no país benéfica?
Acredito que a estrutura física e geográfica
de Angola não se realiza com a população que nós temos, de 20 milhões de
habitantes. Angola precisa de atingir pelos menos, nos próximos 50 anos, 60 a
70 milhões de habitantes. Assim, a estrutura física de Angola realiza-se. E
para esse efeito, é preciso reduzir a mortalidade infantil e promover a
natalidade para aumentar a população. O que eu não concordo é com o facto do
governo, em alguns aspectos, permitir a vinda de estrangeiros não qualificados,
principalmente os chineses. Penso que devia haver uma espécie de revisão de
todos os processos de cooperação com a China. Por outro lado, deve haver uma
reavaliação da atitude do governo no que diz respeito à valorização dos quadros
angolanos. Por exemplo, deveria incentivar-se o regresso a Angola dos quadros
nacionais que estão no exterior.
” O papel de um Presidente da
República é o de garantir e salvar a vida dos cidadãos”
Quando esteve ferido, durante a
guerra, circulou a história de que apenas sobreviveu por intervenção directa do
Presidente da República, que teria enviado instruções de cuidados específicos à
equipa médica enquanto esteve sob custódia das autoridades governamentais. O
que há de verdade nisso? Quais as sua memórias deste período?
Reconheço e agradeço o papel de todos
os cidadãos que se manifestaram solidários com a minha recuperação naquele período.
E não foi só o Presidente da República, estiveram comigo outras pessoas, desde
polícias, militares, civis e até os próprios enfermeiros. Mas também considero
que o papel de um Presidente da República é mesmo o de garantir e salvar a vida
dos cidadãos. Entretanto, apesar de reconhecer todo esforço, o Presidente da
República não fez mais do que o papel dele enquanto chefe de Estado. O contrário
seria crime. Assassinar um cidadão é um crime, o que houve foi o cumprimento
das suas obrigações.
Qual a sua principal memória do
período de guerra?
A guerra é algo mau, destrói, atrasa o
país e atira as pessoas para o sofrimento. Mas é preciso compreender que houve
subprodutos do conflito, pelo menos no período de 1975 a 1991, que resultaram
naquilo que vivemos hoje. Ou seja, o que há hoje de democrático resultou da
necessidade de resolvermos os conflitos. E a evolução que tivemos para uma
economia aberta resultou igualmente da necessidade de darmos fim ao conflito.
Mas em termos básicos, a guerra não é boa coisa. Devemos evitá-la sempre que
possível.
Foi assistente político
permanente de Jonas Savimbi, que memória tem dele?
Foi um dirigente angolano com
qualidade. Tinha os seus defeitos enquanto pessoa, mas deu o seu contributo
para que Angola estivesse no patamar que está actualmente. Cometeu também os
seus erros ao longo do percurso. O diagnóstico que hoje faço é que Jonas
Savimbi perdeu na disputa do poder com o MPLA e José Eduardo dos Santos, mas
ganhou na disputa das ideias.
E na UNITA, o seu antigo
partido, como olha para o período em que nele militou? Quais os melhores e
piores exemplos que observou?
Hoje sou o líder de uma força política
diferente, e por isso acho que não devo caracterizar a UNITA. Apenas reconheço
também que sou produto da escola UNITA e do meu próprio esforço. No entanto,
abstenho-me de caracterizá-la.
Fonte: RA
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