22/07/14

Grande Entrevista, com Abel Chivukuvuku


“O MPLA tem medo do cidadão”

O líder da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, fala sobre os seus projectos de superação do “Eduardismo” em Angola.

Por Domingos Bento
Fotos de Ampe Rogério.

"O MPLA tem medo do cidadão"  

Abel Chivukuvuku, presidente da CASA-CE
Natural do município do Bailundo, província do Huambo, Abel Epalanga Chivukuvuku, agora com 57 anos, integrou a UNITA durante 30 anos, tendo em 2012 abandonado o partido para criar a Coligação Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE). Ano em que se candidatou à presidência da República, terminando em terceiro lugar.
Formado em Telecomunicações Militares e Serviços de Inteligência Militar na Alemanha, o político concluiu ainda uma licenciatura e mestrado em Relações Internacionais pela University of South Africa, onde também se especializou em Administração do Desenvolvimento e Comunicação.
Abel Chivukuvuku é um dos actores da vida política nacional mais activos. Nesta entrevista, fala sobre o estado do país, apresenta os projectos que colocaria em prática caso estivesse no poder e analisa o impacto da guerra civil em diversos sectores da sociedade angolana.


Como está, de uma forma geral, a situação política actual do país?

Angola tem características específicas que precisam de ser sempre consideradas. Depois de muitos anos de conflitos, temos um país em paz, conquistada com o contributo de todos os angolanos. É importante destacar o papel do Presidente da República, na sua qualidade de chefe de Estado, para esta conquista, e também do cidadão Paulo Lukamba Gato, na altura, chefe da Comissão de Gestão da UNITA, ambos decidiram seguir o caminho da paz.
Neste momento, temos o desafio da estabilidade. E no que diz respeito a este factor, há um equívoco que está directamente ligado à existência de duas escolas distintas que apresentam diferentes caminhos para atingi-la. Uma defende a teoria de que a estabilidade em África deve ser garantida por chefes fortes, autoritários, etc.; e outra defende que esta deve ser garantida por instituições públicas e processos políticos funcionais, legítimos e transparentes.

Das duas, a que defende é…

A última, a teoria das instituições. Sobre a primeira, a que apela à estabilidade através de chefes fortes, já temos provas que são sistemas que falham. Por exemplo, a Côte d’Ivoire era, supostamente, um país estável que cimentava esse equilíbrio na pessoa do presidente Houphouet-Boigny. Quando o presidente desapareceu, o país ficou no caos, porque não existiam instituições fortes e legítimas, nem processos políticos transparentes.
No nosso caso, precisamos de resistir à tentação de pensar que o factor de estabilidade em Angola é o Presidente da República José Eduardo dos Santos, porque não é. A mesma tem que ser fortificada através das instituições: a Assembleia Nacional, o executivo, os tribunais, e todos os outros órgãos que fazem parte da estrutura do Estado. São eles que devem ser fortalecidos. Actualmente, tanto as assembleias quanto os tribunais andam a reboque do executivo, e desta forma em nada se está a contribuir para uma estabilidade futura.
Depois, ainda temos a questão da “democracia” em Angola. Do ponto de vista legal, constitucional e jurídico é um país democrático mas, na prática, somos ainda um Estado em transição para a democracia, porque nem todos os atributos da mesma estão presentes na vida nacional.

Que atributos estão ainda em falta?

A democracia tem uma série de atributos. O primeiro é o da liberdade, onde não há liberdade não pode haver democracia. E, no nosso caso, temos aquilo a que chamo de liberdade “a várias velocidades”. Há espaços geográficos em Angola onde há um leque de liberdade mais abrangente, como em Luanda e Benguela, mas à medida que se vai para o interior, a liberdade dos cidadãos é condicionada. As entidades limitam muito a liberdade.
Por exemplo, a nossa constituição garante a liberdade de manifestação, de opção, de reunião e de circulação, mas as manifestações não são permitidas neste país. Ainda temos um défice em termos de liberdade.
O sistema democrático pressupõe também pluralismo, e nesse aspecto julgo estarmos bem, a lei permite-o e tem vindo a implementar-se.
Ainda, para além da liberdade e do pluralismo, pressupõe a existência de órgãos de comunicação social públicos, apartidários, equilibrados, e que garantam o pluralismo das ideias. No nosso caso, esses orgãos estão completamente dominados e manipulados por um só partido, tanto a Televisão Pública de Angola (TPA), como o Jornal de Angola ou a Rádio Nacional de Angola… Portanto, estamos mal em termos de circulação de ideias e de ideais, porque ainda não temos órgãos de comunicação social públicos transparentes e abertos.
Por último, num sistema democrático, a lei aplica-se de igual forma a todos, o primado da lei. Em Angola, o regime tem optado pela interpretação casuística da mesma. Portanto, quando as normas legais convêm, implementam-se; quando não convêm, não se implementam. Temos até o caso do próprio Presidente da República ser também um violador da lei. Apresentando um caso específico, a lei exige a implementação do princípio da existência do Conselho da República, e o presidente mandou esse aspecto “passear” … Ou seja, o primado da lei é inexistente, apenas se segue aquilo que interessa em determinados momentos.

Encontra motivos para que as plenárias da Assembleia Nacional não passem em directo nos órgãos de comunicação social públicos?

O MPLA tem medo do cidadão, quem manipula não pode permitir ao cidadão ver a verdade. Ora se o MPLA tem mais de cem deputados e a oposição pouco mais de trinta, não tem esse partido argumentos para demonstrar ao cidadão o que os representantes do MPLA pensam? É uma tentativa de afastar o cidadão da verdade.




“Não somos fatalistas, não ficamos parados.”

Dois anos depois da sua fundação, como se encontra a CASA-CE?

Criámos a CASA-CE numa conjunção de vontades, ideias e visões. É por isso que a CASA se chama “convergência ampla” de vários pensamentos. Temos o propósito fundamental de trazer aos angolanos uma nova opção, uma terceira via em termos da realização do cidadão. Participamos nas eleições de 2012, quatro meses depois da criação da CASA. Ainda não atingimos todos os objectivos, mas transformamo-nos na terceira força política nacional. O nosso principal propósito é representarmos uma alternativa para a governação de Angola. Sermos a principal força política.

E o que está a ser feito para atingir esse objectivo?

O congresso extraordinário de 2013 adoptou uma estratégia cuja primeira dimensão trata-se do crescimento baseado em duas perspectivas. Fazermos com que a CASA-CE, em 2012, nos quatros primeiros meses, com representação nas grandes cidades e grandes vilas, hoje possa estar em todo espaço territorial do país, em todos os municípios. Podemos dizer que, dos 261 municípios que o país tem, hoje estamos em mais de 240 deles. E queremos, até ao final do ano, chegar a todos. O outro aspecto deste crescimento direcciona-se para o processo de ter todos os objectivos estabelecidos pelo Congresso Extraordinário, até 2016, chegarmos a um mínimo de três milhões de membros inscritos. E temos feito esforços no sentido de conseguirmos isso.

Qual o papel que desempenha, directamente, nesse processo?

Nesta estratégia de crescimento, o meu papel na qualidade de presidente é, para além de orientar na generalidade todas as actividades da CASA-CE, aprovar e implementar um programa denominado “15-15″. Significa que todos os meses fico quinze dias em Luanda, ocupando as minhas tarefas gerais de orientação e de direcção; e nos outros quinze dias fico numa outra província nacional a trabalhar. Neste momento já estive nas províncias do Uíge, Kwanza-Sul, Malanje, Bié, Benguela e Lunda-Norte. Estou agora a preparar-me para Cabinda.

O que pretende levar de concreto para estas províncias?

Quando vou as províncias, levo comigo o programa que se chama: “Ver, ouvir e partilhar”. Ver porque entendo que os responsáveis devem sair um bocado dos escritórios daqui em Luanda, e viverem o país real; ouvir as pessoas, os actores e responsáveis partidários, a administração do Estado, os governantes as autoridades tradicionais e eclesiásticas e, claro, ouvir o cidadão. Mas também constatar, ver as coisas, sobretudo como é que vai a qualidade da governação, o ambiente político nestes municípios em termos de pluralismo, democracia da reconciliação e irmandade. Por outro lado, avaliar também como é que se encontra a dimensão da vida social das populações em termos de saúde, educação, emprego, energia, água e estradas.

Porque é a Coligação diferente dos outros partidos políticos?

Temos uma visão diferente daquilo que achamos que devia ser Angola. Temos uma atitude diferente de como fazer política e, sobretudo, trazemos para o país a esperança. Não somos fatalistas, não ficamos parados.

A oposição critica a falta de alternância no MPLA e também no aparelho do Estado. Haverá espaços para novas vozes e para que elas possam, eventualmente, assumir o comando da CASA-CE?

Os nossos estatutos determinam que o presidente da CASA-CE não pode ter mais que dois mandatos. Isso é fixo. Estou no primeiro mandato e depois do segundo acaba a minha liderança. Portanto, não há flexibilidade, isso é estatutário e os estatutos estão no Tribunal Constitucional.

Num dos seus discursos, referiu que a expansão da CASA-CE por todo o território nacional marcaria o fim da era do “Eduardismo”. Continua com esta convicção?

Não há estadistas que ficam toda a vida, a alternância é um factor de vida humana. A CASA-CE está a procurar afirmar-se no país para poder ser a alternativa, trazer uma visão e modelo novos de governação para o país. Foi por este pressuposto que deliberadamente decidi sair do parlamento. Para ter o meu tempo e fazer o meu programa, mas também para deixar bem claro à sociedade que não estou na vida política para ser deputado. Estou na vida política para servir o país.

Solidifica-se uma ideia de que a oposição é conhecida por ter um desempenho melhor no sul do país, sobretudo em áreas umbundo, do que no norte. Ao que acha que se deve este facto?

Primeiro acho que isso não é verdade. Essa é a visão de quem não anda pelo país, é completamente errada. Quem acompanha as nossas actividades políticas sabe que, do ponto de vista de estrutura da CASA-CE, temos mais gente do norte do que do sul. Ultimamente, as nossas deslocações têm sido mais para o lado norte, é certo, somos aceites em todos os lados por onde passamos, as populações andam sempre à nossa volta, somos de Angola. Por outro lado, o caso da CASA-CE não pode ser visto num pacote geral da oposição. Não temos nada a ver com as outras forças da oposição, nem com o partido maioritário. Não temos uma base étnica especificamente definida. Somos de todos os lados de Angola.
Nas últimas eleições a oposição acusou o MPLA de vencer por meio de fraude. Dois anos depois não houve qualquer consequência. Partilha da mesma opinião?

Infelizmente os nossos processos, tanto na preparação como na execução, não são transparentes, nem equilibrados e nem justos. E não precisamos sequer olhar para os processos eleitorais, basta olharmos para o contexto presente, em termos de vida política nacional. Observar como é que se comportam os órgãos de comunicação social do Estado. É suficiente para demonstrar que não há lisura, não há igualdade dos partidos políticos. Os órgãos de comunicação social públicos apenas fazem a propaganda do partido no poder. Outro caso: a administração pública, que está toda partidarizada. A resposta está aí.

Mas então acredita que houve fraude?

Basta ver o comportamento do partido no poder. A fraude não é só na hora em que se fazem os votos, todo este quadro preparatório ajuda a perceber o contexto em que as eleições foram realizadas, se houve transparência ou não.

Quais os motivos que encontra para que as plenárias da Assembleia Nacional não passem em directo nos órgãos de comunicação social públicos?

O MPLA tem medo do cidadão, quem manipula não pode permitir ao cidadão ver a verdade. Ora se o MPLA tem mais de cem deputados e a oposição pouco mais de trinta, não tem esse partido argumentos para demonstrar ao cidadão o que os representantes do MPLA pensam? É uma tentativa de afastar o cidadão da verdade.
Acredita que tem possibilidade de vencer as próximas eleições presidenciais?

Se não acreditasse não estaria a fazer este percurso. Estou a caminhar pelo país, para viver com as pessoas e sentir os seus problemas. Primeiro, para que eu próprio possa adquirir uma noção mais objectiva daquilo que é o país e, segundo, para levar a mensagem da CASA aos cidadãos, para que eles possam confiar nele. Por fim, para ser conhecido por todos os cidadãos.

“Em África, o processo democrático não foi feito por convicção”

Reclama-se de intolerância política. Partilha a mesma inquietude?

Não se faz democracia sem democratas. Na minha percepção, a revolução democrata mundial, que ganhou um novo impacto a partir dos anos 1989 com a queda do Muro de Berlim, ficou desajustada das filosofias comunistas e etc.. Tudo isso gerou um novo momento da democracia no mundo. Em África, salvo algumas excepções, esse processo democrático não foi feito por convicção. Eu considero que aquilo que tivemos em África foi uma tentativa de metamorfose. Por exemplo, o MPLA e o presidente José Eduardo dos Santos durante muito tempo abraçaram a filosofia marxista-leninista do partido único e não eram a favor da democracia. De repente, por causa do contexto mundial, deixaram de ser comunistas e passaram a ser democratas. Será que acreditam mesmo ou foi só conveniência? No entanto, felizmente, o presidente José Eduardo dos Santos tem sido honesto nisso. Tem dito que a democracia foi forçada em Angola, que não há convicções. Ninguém se propõe a concretizar algo no qual não acredite. É por isso que temos esses casos de intolerância política… As pessoas não têm convicções democráticas.

Os angolanos orgulham-se do país?

Mesmo com todas estas dificuldades, todos nós devemos ter orgulho do nosso país, apesar das distorções e dos caminhos que o actual governo tem trilhado. Mas temos também que ter vontade de participar para transformar as coisas negativas, precisamos de uma visão de uma Angola melhor e positiva. É necessário fazer esforços para participar neste processo de transformação.
Tem existido vontade dos dirigentes nesse sentido?

Eu considero que o MPLA como tal e, sobretudo, os dirigentes principais, não têm vocação nem vontade política de concretização das transformações profundas que o país exige. Mas a própria sociedade exige ao MPLA alguns passos, não podem ficar parados, se não vão ficar mesmo relegados ao passado, na história. Há partidos que nascem e crescem, mas que também podem ficar para trás, desaparecer. Se o MPLA não tiver a convicção de que hoje se exige mais, do ponto de vista da governação, de acabar com a corrupção e com a insensibilidade perante a pobreza, pode ficar para trás.
Quando se lembra do momento polémico pelo qual atravessou devido a uma declaração sua onde afirmava que era necessário transformar Angola numa Somália, o que lhe vem à mente?

O espírito de manipulação do governo. Eu não disse que era preciso “somalizar” Angola, apenas alertei para os cuidados a ter para evitar uma “somalização” em Angola. E como é que me veio essa palavra, “somalização”? Eu explico: dias antes, havia estado com alguns senadores americanos que já tinham tido a oportunidade de visitar Luanda. Nessa reunião eles explicaram-me que estavam a vir da Somália, que quando lá estiveram depararam-se com dois presidentes, e tiveram que reunir com cada um em locais diferentes. Numa ocasião em que falei na Rádio Nacional, onde me colocaram esta questão, a gravação foi ouvida e, de facto, eu dizia exactamente que devíamos ter cuidado para que evitássemos a “somalização” do país. Foi apenas um alerta.

Então não passou tudo de um mal-entendido?

Não foi um mal-entendido, foi uma manipulação intencional. Temos um regime manipulador que deturpa os factos e as palavras. Eles são os únicos que estão sempre certos. Por exemplo, eles ganharam a guerra, mas nunca mataram ninguém. Como é que alguém ganha uma guerra sem matar?

A sua imagem esteve muito associada aos EUA. Qual é a sua relação com este país?

Esteve associada porque as pessoas o quiseram fazer, eu vivi em muitos sítios. Dos cinquenta países africanos, vivi pelo menos em cinco e conheço cerca de quarenta. Vivi também em Portugal e ninguém diz que sou amigo dos portugueses, ou em Inglaterra. E também vivi nos Estados Unidos, é um grande país.


A homossexualidade é “um desvio”

Vem de uma família tradicional, de uma linhagem de reis. Como é que encara o diálogo actual entre a tradição e a modernidade em Angola? Será possível preservar os traços da cultura angolana?

Temos que ter a capacidade de assumir o que somos em tudo aquilo que são valores positivos da nossa essência e da nossa africanidade. Mas não podemos ter medo da modernidade ou da globalização. Obviamente que a nossa cultura nos passa valores positivos. E não podemos ter medo da relação tradição/modernidade na Angola actual. Devemos saber manter os nossos valores tradicionais, aceitando também as influências externas com uma certa medida e equilíbrio. Não ter medo das novas tecnologias e globalização.

Alguns países africanos, como o Uganda, têm se destacado na imprensa internacional por uma política de combate à homossexualidade, argumentando que a mesma não é um costume africano. Qual é a sua opinião em relação a este tema?

É possível que me considerem conservador nessa dimensão, eu tenho uma visão muito clara sobre isso: se a natureza fez a relação homem/mulher enquanto aquela permite a continuidade das gerações – gerando filhos-, então qualquer outro tipo de relação neste aspecto é desviante. Se Deus admitisse a homossexualidade, essas relações gerariam filhos. Mas Deus achou que a continuidade da natureza humana só é possível na relação de um homem com uma mulher. Por isso considero que aquilo que é mais humano é a relação heterossexual. Tudo o resto são desvios.

“Não faço política na igreja”
Fala daquilo que, no seu entender, Deus consideraria. Tem uma vida religiosa?

Fui evangélico congregacional, cresci nesse meio. Mas hoje, por opção, sou católico.

A CASA-CE relaciona-se politicamente com entidades religiosas?

Não, e nunca o faremos. É preciso separar as coisas. Eu não faço política na Igreja, quando vou à igreja, vou como crente, não como político.

E a questão dos Direitos Humanos no país?

Penso que ainda temos caminho a percorrer. O facto de estarmos em paz permitiu alguns passos, já não existe tanta arbitrariedade como aquela que existia no passado. No entanto, ainda há muitos domínios nos quais precisamos de movimentos concretos e positivos para evitarmos situações tristes como aquela em que a própria policia mata o cidadão, ou a de pessoas a serem agredidas por se manifestarem ou reclamarem pelos seus direitos básicos. Tudo isso tem que acabar, a minha avaliação é que ainda temos um longo caminho a percorrer.

Quando analisa os números que indicam um crescimento económico do país mas que, no entanto, não se encaixam com os indicadores sociais que continuam baixos, o que pensa?

Angola cresceu imenso nos últimos dez anos, e tem potencial para continuar a fazê-lo. Esse crescimento é o resultado de uma conjunção de valores, como, por exemplo, o crescimento da produção do petróleo, passamos do 700 ou 800 mil barris por dia para valores que se apresentam entre 1,5 e 1,8 milhões de barris/dia, numa altura em que o preço do petróleo no mercado internacional também subiu. A estratégia de diversificação da economia ainda não está a surtir os seus efeitos porque ainda temos uma economia de enclave, fundamentalmente dominada pelo petróleo. No entanto, esse crescimento não se faz acompanhar de desenvolvimento, a nossa população ainda é maioritariamente pobre. Ao andar pelo país, constatamos a miséria que ainda se arrasava a vida das pessoas.
Há culpas a atribuir no que toca à situação de desigualdade social em Angola, em relação à pobreza à qual se refere?

Sim, a responsabilidade é de quem está no Governo. Nós ouvimos uma afirmação do Presidente da República que dizia que, quando ele assumiu o poder, a pobreza já existia. Mas a questão não pode ser colocada dessa forma, é obrigação dele dar resposta, tomar medidas para que a população deixe de ser pobre. A culpa é dele e de quem está no Governo. Há um ditado que diz que, “quem não conhece o teu sofrimento não pode resolver o teu problema”, e o problema é que os governantes não andam onde há pobreza. Estes dias, tenho andado pelos bairros de Luanda, na lama, a falar com os cidadãos. É preciso olhar para isso, porque, caso contrário, vamos ter uma imagem errada do país que temos e fazer opções erradas.

Que alternativas apresentaria se estivesse no poder?

Em primeiro lugar, descentralizar a visão. Temos que pensar no cidadão, investir na pessoa humana. Ou seja, antes de mais, é preciso ser uma pessoa saudável, implicando o acesso ao saneamento básico, alimentação digna, habitação, energia e água – investir nas questões primárias das pessoas. E depois reunir esforços no que toca ao desenvolvimento humano, na escolaridade e escolas de qualidade. A partir daqui, é criada uma estrutura que vai garantir o progresso da sociedade. Todavia, reconheço que é preciso algum investimento no betão, nas estradas e pontes. Mas tem que ser de uma forma estruturada para que isso sirva directamente as pessoas. Para que elas, de facto, possam evoluir em termos de estrutura humana. E a escola é fundamental para libertar o cidadão e para permitir essa evolução. Além disso, temos muita exclusão. Um país onde a democracia e a liberdade não estão bem assentes, onde a pobreza é a característica principal, é um país que ainda tem exclusão. E isso significa que não estamos a respeitar o princípio constitucional da igualdade entre os cidadãos. Basta ver que ainda temos centenas de crianças fora do ensino. Uma criança que vai à escola e a outra que não vai têm oportunidades iguais? Claro que não. Estamos a fazer a exclusão, estamos a ser injustos. E ainda há a questão de no nosso país existir ainda o sistema da “cunha” e de determinado nome…

A disparidade entre as novas centralidades que vão nascendo um pouco por todo país e os bairros periféricos de Luanda onde ainda são visíveis os altos níveis de pobreza, faz parte desta exclusão a que se refere?

Representa sobretudo a clarificação de que o Governo, hoje, desistiu da requalificação urbana. Constroem-se novas centralidades, mas abandona-se as antigas comunidades e bairros, que continuam na mesma. E até com um aspecto negativo acrescentado, aquele que revela que não estamos a conseguir estancar o crescimento caótico e desordenado de grande parte das cidades do país. Angola tem um crescimento urbano desordenado.


É contra a construção das novas centralidades?

Não, mas considero que o modelo que está a ser implementado não é eficaz. As novas centralidades estão a transformar-se em dormitórios, sem vida própria. Por exemplo, a centralidade do Kilamba é um dormitório, de manhã toda a gente vem para a cidade e só regressam ao fim do dia. É um modelo que desestrutura a vida familiar, as pessoas têm que sair às 4h da madrugada e voltam às 22h, sem tempo para estar com a família. O conceito de centralidade devia inserir também pólos de desenvolvimento para que as pessoas trabalhem à volta das próprias centralidades, sem a necessidade de virem para o centro da cidade. Toda a vida do cidadão devia ser feita lá, com escolas, hospitais e outras infra-estruturas. O modelo não foi bem concebido, devia haver indústrias à volta e a descentralização de serviços administrativos.

Considera a presença massiva de estrangeiros no país benéfica?

Acredito que a estrutura física e geográfica de Angola não se realiza com a população que nós temos, de 20 milhões de habitantes. Angola precisa de atingir pelos menos, nos próximos 50 anos, 60 a 70 milhões de habitantes. Assim, a estrutura física de Angola realiza-se. E para esse efeito, é preciso reduzir a mortalidade infantil e promover a natalidade para aumentar a população. O que eu não concordo é com o facto do governo, em alguns aspectos, permitir a vinda de estrangeiros não qualificados, principalmente os chineses. Penso que devia haver uma espécie de revisão de todos os processos de cooperação com a China. Por outro lado, deve haver uma reavaliação da atitude do governo no que diz respeito à valorização dos quadros angolanos. Por exemplo, deveria incentivar-se o regresso a Angola dos quadros nacionais que estão no exterior.


” O papel de um Presidente da República é o de garantir e salvar a vida dos cidadãos”

Quando esteve ferido, durante a guerra, circulou a história de que apenas sobreviveu por intervenção directa do Presidente da República, que teria enviado instruções de cuidados específicos à equipa médica enquanto esteve sob custódia das autoridades governamentais. O que há de verdade nisso? Quais as sua memórias deste período?

Reconheço e agradeço o papel de todos os cidadãos que se manifestaram solidários com a minha recuperação naquele período. E não foi só o Presidente da República, estiveram comigo outras pessoas, desde polícias, militares, civis e até os próprios enfermeiros. Mas também considero que o papel de um Presidente da República é mesmo o de garantir e salvar a vida dos cidadãos. Entretanto, apesar de reconhecer todo esforço, o Presidente da República não fez mais do que o papel dele enquanto chefe de Estado. O contrário seria crime. Assassinar um cidadão é um crime, o que houve foi o cumprimento das suas obrigações.

Qual a sua principal memória do período de guerra?

A guerra é algo mau, destrói, atrasa o país e atira as pessoas para o sofrimento. Mas é preciso compreender que houve subprodutos do conflito, pelo menos no período de 1975 a 1991, que resultaram naquilo que vivemos hoje. Ou seja, o que há hoje de democrático resultou da necessidade de resolvermos os conflitos. E a evolução que tivemos para uma economia aberta resultou igualmente da necessidade de darmos fim ao conflito. Mas em termos básicos, a guerra não é boa coisa. Devemos evitá-la sempre que possível.

Foi assistente político permanente de Jonas Savimbi, que memória tem dele?

Foi um dirigente angolano com qualidade. Tinha os seus defeitos enquanto pessoa, mas deu o seu contributo para que Angola estivesse no patamar que está actualmente. Cometeu também os seus erros ao longo do percurso. O diagnóstico que hoje faço é que Jonas Savimbi perdeu na disputa do poder com o MPLA e José Eduardo dos Santos, mas ganhou na disputa das ideias.

E na UNITA, o seu antigo partido, como olha para o período em que nele militou? Quais os melhores e piores exemplos que observou?

Hoje sou o líder de uma força política diferente, e por isso acho que não devo caracterizar a UNITA. Apenas reconheço também que sou produto da escola UNITA e do meu próprio esforço. No entanto, abstenho-me de caracterizá-la.

Fonte: RA

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