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MEMORANDO
SOBRE A CRIAÇÃO DO FUNDO PETROLÍFERO
Abel Chivukuvuku, presidente da CASA-CE(centro); André Mendes de Carvalho(esquerda); Lindo Bernardo Tito (direita) |
O
titular do poder Executivo, através do Decreto Presidencial nº 48/11, de 9 de
Março criou o Fundo Petrolífero, em conformidade com a Lei do Orçamento Geral
do Estado aprovada pela Lei nº 24/12, de 22 de Agosto, cuja natureza é a de uma
pessoa colectiva, dotada de personalidade jurídica, com autonomia
administrativa, financeira e patrimonial (artigo 1º, nº 1 e 2).
Tem por finalidade promover,
fomentar e apoiar, na República de Angola e no estrangeiro, o investimento no
desenvolvimento de projectos nos sectores da energia e águas e noutros sectores
considerados estratégicos, incluindo, em particular, projectos de infraestruturas,
tais como projectos para geração, produção, armazenamento, transporte,
distribuição e comercialização de energia e águas, bem como deter, operar,
manter, gerir tais projectos e desenvolver actividades auxiliares, conexas ou
relacionadas com os mesmos (artigo 1º, nº 3).
Vinte e um (21) dias depois da
sua criação foi objecto de alteração dos artigos 1º, 7º, 13º, 14º, 15º, 20º, 25º,
26º, 28º, 29º e 38º através do Decreto Presidencial nº 57/11, de 30 de Março
que de resto procedeu à alteração da finalidade do Fundo, atribuições do Conselho
de Administração e a Comissão Executiva.
A 30 de Janeiro de 2012 o
Estatuto do Fundo Petrolífero voltou a sofrer alteração através do Decreto
Presidencial nº 24/12, de 22 de Agosto, relativamente aos artigos 5º, nº 6 e 16º
nºs 1, 2 e 4 do Decreto Presidencial nº 48/11, de 9 de Março e aos artigos 14º
nº 1 e 15º, nº 1 do Decreto Presidencial nº 57/11, de 30 de Março.
Relativamente à criação do
Fundo Petrolífero colocam-se 3 (três) questões: a primeira tem a ver com a
competência do órgão que o criou; a segunda, com a sua finalidade; e a terceira
com a consignação de receitas do petróleo para o Fundo Petrolífero.
Escalpelizemos,
Existem formalmente constituídos
e em funcionamento 12 fundos públicos, porém todos eles foram criados por
diplomas de diversa natureza, designadamente por lei da Assembleia Nacional (o
Fundo Nacional de Desenvolvimento criado pela Lei nº 9/06, de 29 de Setembro),
decreto presidencial, decreto, decreto executivo e decreto executivo conjunto.
Compulsada
a ossatura jurídica angolana vigente, constata-se que não há base legal que
sustente, pelo menos a constituição ou criação dos fundos públicos.
Diversamente,
existe o Decreto nº 5/96, de 26 de Janeiro que estabelece os princípios gerais
de organização, gestão, controlo e prestação de contas dos Fundos Autónomos, o
que não é a mesma coisa, porquanto este pode conformar-se nos parâmetros da
autorização legislativa concedida ao Titular do Poder Executivo para
regulamentar o funcionamento, o controlo e a prestação de contas que devem reger
os fundos autónomos, previstos no artigo 42º da Lei nº 15/10, de 14 de Julho.
Regulamentar o funcionamento
do Fundo não é criar o Fundo. Regulamentar o Fundo pressupõe já a sua existência.
Com a aprovação e consequente
entrada em vigor da Constituição da República de Angola em 03 de Fevereiro de
2010, após ter sido submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, no âmbito
dos poderes de fiscalização preventiva da Constituição conferidos a este órgão,
pela sua lei orgânica, na secção IV do capítulo III, referente à competência da
Assembleia Nacional, atribui-se àquele órgão de soberania a reserva relativa de
legislar sobre o regime geral das finanças públicas (alínea d) do nº 1 do
artigo 165º e ainda para a definição do regime legislativo geral sobre todas as
matérias não abrangidas no nº 1 do artigo 165º, salvo as reservadas pela
Constituição ao Presidente da República (nº 2 do artigo 165º).
Enquanto titular do Poder
Executivo, ao Presidente da República foram atribuídas as competências
estabelecidas no artigo 120º, entretanto, nada consta relativamente à constituição
ou criação de Fundos Públicos.
O que significa dizer que não
sendo competência do Presidente da República é, certamente, uma competência da
Assembleia Nacional embora de reserva relativa.
Aliás, não é em vão que o
artigo 21º, alínea c) da Lei nº 15/10, de 14 de Julho acolhe o princípio da
legalidade previsto no artigo 198º da CRA, proibindo a inclusão na proposta orçamental,
a criação ou extinção de fundos sem prévia autorização legal, significando que
os fundos não podem constituir-se por acto do poder executivo – acto
administrativo, mas, isto sim, com base na lei e, acrescente-se, salvo autorização
da Assembleia Nacional a conceder mediante lei de autorização legislativa, nos
termos da alínea e) do nº 2 do artigo 166º conjugado com a alínea c) do artigo
161, ambos da Constituição da República de Angola.
As leis de autorização
legislativa devem sempre definir o seu objecto, o sentido, a extensão e a duração,
sendo certo que caducam, caso outro prazo não tenha sido fixado, com o termo da
legislatura e do mandato do Presidente da República, incluindo as autorizações
legislativas concedidas na Lei do Orçamento Geral do Estado, salvo aquelas que
incidam sobre matéria fiscal, pois neste caso, só caducam no termo do ano
fiscal a que disserem respeito (art.º 170º da CRA).
Relativamente à criação do
Fundo Petrolífero, não se conhece qualquer lei de autorização legislativa que
atribua ao Presidente da República competências para constituir tal Fundo, pelo
que não restam dúvidas sobre a sua inconstitucionalidade orgânica.
Inconstitucionalidade Orgânica
porque o Fundo Petrolífero foi criado por um órgão sem poderes para o efeito (o
chefe do poder Executivo).
Convém referir, que, por força
do princípio da legalidade, as competências não se presumem. Ou se tem e
exercem-se ou não se tem e, portanto, não se exercem.
Ainda que houvesse alguma
autorização legislativa concedida na lei do Orçamento Geral do Estado, não
deixaria de se levantar algumas inquietações quanto à sua conformidade, pois, o
primeiro problema que se colocaria seria a delimitação temporal dessa autorização
uma vez que o nº 4 do artigo 170º da CRA manda que se observem o disposto nos nºs
1, 2 e 3 do mesmo artigo, proibindo-se com isso, as autorizações ad
eternum. A prática demonstra-nos que em Angola, as autorizações
legislativas orçamentais não estabelecem o tempo da sua vigência, não definem o
sentido nem a extensão. Vigora durante toda a legislatura e do mandato do
Presidente da República ou apenas durante o ano económico? Quid júris no
caso de atrasos na aprovação do orçamento do ano seguinte (ou se este não for
aprovado) e houver recondução automática do OGE com base nas regras de direito
financeiro?
Dar-se-á também uma recondução
da autorização legislativa?
Caso vigore durante toda a
legislatura e do mandato do Presidente da República, que dizer das autorizações
legislativas, sobre a mesma matéria, concedidas nos vários orçamentos que se vão
aprovando ao longo da legislatura?
As autorizações legislativas
concedidas na lei do Orçamento Geral do Estado estão, à luz da Constituição da
República de Angola em vigor, feridas de inconstitucionalidade formal por terem
sido preteridas as formalidades estabelecidas no artigo 170º.
Quanto à finalidade,
O
propósito da criação do Fundo Petrolífero divide-se em duas partes distintas, a
saber:
Primeiro - promover, fomentar
e apoiar, na República de Angola, o investimento no desenvolvimento
de projectos nos sectores da energia e águas e noutros sectores considerados
estratégicos.
Relativamente ao primeiro propósito
ou finalidade levantam-se algumas inquietações que têm que ver com a
duplicidade (duplicação) de recursos alocados para a realização do mesmo fim.
Isto é, os recursos alocados ao Fundo para a satisfação das necessidades
colectivas de energia e águas e os recursos alocados ao Ministério das Energia
e Águas para, também, a satisfação das necessidades colectivas de energia e águas.
Estarão
delimitadas as circunscrições administrativas objecto de intervenção de uns e
de outros? Ou antes intervirá numa determinada área a instituição que planear
primeiro? Não seria melhor não dispersar recursos e extinguir-se o Ministério
da Energia e Águas?
Segundo - promover, fomentar e
apoiar, no estrangeiro, o investimento no desenvolvimento de
projectos nos sectores da energia e águas e noutros sectores considerados
estratégicos.
Quanto ao segundo propósito
coloca-se a questão de saber porque razão o Fundo vai promover, fomentar e
apoiar o investimento no estrangeiro, sabendo-se que o País enferma deste mal?
Uma terceira questão mas não
menos importante coloca-se relativamente aos outros sectores considerados
estratégicos. O conceito é indeterminado podendo abarcar muita coisa. Era
necessário definir-se á partida, por razões de transparência, que sectores são
estes para permitir um controlo parlamentar eficaz e eficiente.
Finalmente, resta abordar a
temática relativa às receitas do Fundo Petrolífero.
Com efeito, o artigo 6º, nº 1
do Decreto que cria o Fundo sob a epígrafe de “receitas” diz que “o Fundo
petrolífero é financiado pelas seguintes receitas (…) a) Dotação inicial de
capital; e b) dotação mensal.
Cabendo ao artigo 7º nº 1 alínea
a) de definir a dotação inicial de capital, como sendo o correspondente ao
valor proveniente da venda no ano de 2010 pela Sonangol de 36.500.000,00 de
barris de petróleo e a dotação mensal como sendo o produto da multiplicação da
dotação diária pelo número de dias do mês em questão, sendo que a dotação diária
significa 100.000 barris de petróleo.
Ora este exercício mais não
significa, senão a consignação de receitas provenientes do petróleo à realização
das despesas do Fundo, consignação esta que, á partida não é permitida, na
medida em que vigora no direito financeiro angolano o princípio da não consignação
de receitas.
Segundo
a regra da não consignação, todas as receitas devem servir para cobrir todas as
despesas. Por isso, não devem afectar-se quaisquer receitas à cobertura de
certas despesas. A Lei do Orçamento Geral do Estado contém no artigo 21º, nº 1,
alínea b) a proibição de consignar receitas a: “órgãos, serviços ou fundos,
ressalvadas as decorrentes de financiamentos ou doações”, o que não é o caso.
Saliente-se que tal norma é injuntiva, como de resto já se disse acima aquando
da abordagem da criação do Fundo.
Portanto,
a excepção tem que ver apenas nos casos de financiamentos ou de doações, embora
a doutrina admita também excepções quando se esteja perante situações em que os
serviços ou entes gozam de autonomia financeira e quando a lei expressamente
determine a afectação de certas receitas a determinadas despesas justificadas
pelas razões especiais que se prendem com o facto de o Estado pretender
acautelar a cobertura de certas despesas ou pretender limitar certos gastos ao
montante de certas receitas.
Mas a este respeito, remete-se
também ao pensamento doutrinário relativamente a doutrina como fonte de Direito
Financeiro: A doutrina não deve considerar-se fonte de direito
financeiro, embora possa contribuir ou influenciar certas decisões de carácter financeiro
(in Lições de Finanças Públicas e de Direito Financeiro, Elisa Rangel
Nunes, 3ª edição revista e actualizada, página 74).
Abel Chivukuvuku, presidente da CASA-CE |
Em face do acima exposto,
aliado ao princípio da legalidade previsto no artigo 198º da Constituição da
República de Angola, chega-se facilmente à conclusão de que a consignação
de receita petrolífera feita ao Fundo está também ferida de ilegalidade, pois
viola gravemente uma norma imperativa contida na alínea b) do artigo 21º da Lei
nº 15/10, de 14 de Julho.
Conclusão:
- A criação do Fundo Petrolífero não foi precedida de autorização parlamentar, pelo que está ferida de inconstitucionalidade orgânica;
- Há a necessidade de se repensar quanto à finalidade do Fundo Petrolífero.
- A consignação directa de receitas do petróleo para a realização de despesas do Fundo Petrolífero viola a norma injuntiva contida na Lei nº 15/10, de 14 de Julho e, por conseguinte, está ferida de ilegalidade;
- Há a necessidade de a Assembleia Nacional legislar urgentemente sobre as bases gerais para a criação e extinção de Fundos Públicos, definindo nela a tipologia de fundos públicos, fontes de receitas, finalidades, etc. etc.
A
CASA – CE, traz para debate público, esta questão actual e relevante da vida
nacional, no nobre intuito de contribuir para a afirmação no nosso País de um
Estado verdadeiramente Democrático e de Direito e cujo propósito fundamental
seja efectivamente a plena realização de todas as suas
filhas e filhos. Para que tal seja possível e exequível, a CASA – CE considera
que é fundamental uma utilização racional, judiciosa e transparente de todos os
recursos do Estado, recursos estes que pertencem a todos os angolanos.
TODOS POR ANGOLA
UMA ANGOLA PARA TODOS
Luanda, aos 30 de Novembro de 2012
O CONSELHO PRESIDENCIAL
1 comentários:
Muito bem!
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