Ambiente Pré-eleitoral Perturbado pela
Repressão
(Joanesburgo, 5 de julho de 2012) – O
governo angolano está a visar organizadores de protestos para detenções
arbitrárias em resposta às crescentes manifestações que criticam o governo ou
as suas políticas, anunciou hoje a Human Rights Watch.
A Human Rights Watch instou as
autoridades angolanas a libertar ou a acusar adequadamente todos os
manifestantes detidos e a garantir que todos os detidos têm acesso rápido a
aconselhamento jurídico e aos familiares. As autoridades devem investigar
urgentemente os alegados raptos e o desaparecimento possivelmente forçado de
vários organizadores de protestos. Angola tem previstas eleições legislativas a
31 de agosto de 2012.
“A recente vaga de abusos graves
cometidos contra manifestantes é um sinal alarmante de que o governo angolano
não tolera a dissidência pacífica”, afirmou Leslie Lefkow, diretora-adjunta de
África da Human Rights Watch. “O governo deve cessar as tentativas de
silenciamento destas manifestações e concentrar-se em melhorar o ambiente
eleitoral”.
Desde 2011, Angola tem vindo a
experienciar protestos públicos sem precedentes, com jovens, e agora veteranos
de guerra, a sairem à rua para se manifestarem publicamente na capital, Luanda,
e em outras cidades.
O movimento juvenil reivindica reformas
sociais e a renúncia do Presidente José Eduardo dos Santos, que se encontra no
poder há 33 anos. Os veteranos de guerra exigem benefícios sociais devidos há
muito.
Ao longo do último ano, agentes da
polícia angolana, fardados e à paisana, têm reagido às manifestações juvenis
com repressões
cada vez mais violentas, apesar da pequena escala dos protestos, e detiveram
vários líderes juvenis, jornalistas e líderes da oposição.
Os protestos públicos dos veteranos de
guerra têm vindo a ganhar força desde junho. Veteranos de guerra em Luanda e
Benguela anunciaram mais manifestações antes das eleições, a não ser que o
governo considere as suas exigências de pagamentos regulares de pensões. Muitos
dos veteranos de guerra foram desmobilizados, ao longo das últimas duas
décadas, de exércitos de todos os lados, incluindo o partido no poder, que
participaram na longa guerra civil angolana. A 7 de junho, vários milhares de
veteranos de guerra marcharam até ao Ministério da Defesa em Luanda, onde o
Chefe do Estado-Maior do Exército, o General Sachipengo Nunda, prometeu dar resposta
às exigências de pensões.
A 20 de junho, milhares de veteranos de
guerra reuniram-se no quartel das Transmissões militares em Luanda, no
seguimento de um anúncio oficial de que o governo iria desembolsar pagamentos
únicos de 550 dólares e dar resposta às exigências de pensões. Veteranos de
guerra que participaram na manifestação daquele dia contaram à Human Rights
Watch que a manifestação irrompeu de forma espontânea após não terem recebido
qualquer resposta oficial às suas exigências generalizadas de pensões.
Os veteranos de guerra marcharam pela
cidade, tendo parado na estação de rádio católica Ecclesia e na embaixada dos
Estados Unidos, e aproximaram-se da zona presidencial, até serem barrados por
brigadas da Polícia de Intervenção Rápida, polícia militar e guardas
presidenciais, que dispersaram a multidão disparando gás lacrimogéneo e balas
reais.
Testemunhas contaram à Human Rights
Watch que os manifestantes não estavam armados, mas que alguns participantes
atiraram pedras e agrediram um general do exército angolano que se encontrava
no local, de acordo com a investigação da Human Rights Watch. A Human Rights
Watch não foi capaz de confirmar alegações de que três manifestantes foram
mortos a tiro.
As forças de segurança detiveram mais de
50 veteranos de guerra durante o protesto de 20 de junho. Dezassete foram
alegadamente libertados sem qualquer acusação a 22 de junho, mas as autoridades
policiais, militares e judiciais não deram resposta aos repetidos pedidos da
Human Rights Watch para que confirmassem os números totais de indivíduos
detidos, libertados ou que continuam detidos em regime a aguardar julgamento. A
25 de junho, a polícia militar deteve um líder de uma comissão de queixas de
veteranos de guerra.
A investigação da Human Rights Watch determinou
que há pelo menos 28 veteranos de guerra que continuam detidos em regime de
pré-julgamento: oito na sede da polícia de investigação criminal, e pelo menos
20 na sede da polícia militar judicial em Luanda. Agentes da polícia, polícias
militares e funcionários judiciais contaram à Human Rights Watch que os detidos
foram autorizados a solicitar assistência e aconselhamento jurídico, mas que
não o tinham feito. Familiares de alguns detidos disseram à Human Rights Watch
que tinham autorização para levar-lhes alimentos, mas não lhes foi permitido
falar com os seus familiares.
Dois veteranos de guerra que estiveram
detidos durante dois dias contaram à Human Rights Watch que foram forçados a
declarar na televisão que os partidos da oposição política estavam por detrás
dos protestos e que, posteriormente, foram libertados sem qualquer acusação.
Contaram que foram interrogados em separado por agentes de segurança à paisana,
sem a presença de um advogado, na polícia de investigação criminal provincial
de Luanda. Também disseram que foram ameaçados com represálias caso se
recusassem a dizer à televisão detida pelo estado, a Televisão Pública de
Angola (TPA), que os partidos da oposição tinham incitado os ex-soldados a
manifestar-se.
Um dos dois veteranos, Francisco
Candela, que foi desmobilizado das forças rebeldes da antiga União Nacional
para a Independência Total de Angola (UNITA), em 2003, disse: “Disseram-me que
se falasse contra os partidos da oposição, resolviam a minha situação. Mas se
não aceitasse fazê-lo, condenavam-me por arruaça contra a segurança do estado.
"
Candela acrescentou que os agentes de
segurança o levaram a ele e a outro veterano de guerra rebelde num carro civil
até ao quartel-geral das forças armadas, onde foram entrevistados por jornalistas
da TPA na presença de agentes de segurança. Desde então, os meios de
comunicação do estado têm noticiado extensivamente o alegado incitamento dos
protestos por partidos da oposição. A 16 de junho, as Forças Armadas Angolanas
acusaram publicamente os partidos da oposição UNITA, CASA-CE e Bloco
Democrático de terem instigado uma manifestação anterior de veteranos de
guerra, a 7 de junho, em Luanda.
A Human Rights Watch também falou por
telefone com José Fernandes de Barros, ex-membro das forças do partido no
poder, as Forças Armadas Populares para a Libertação de Angola (FAPLA), e
signatário de um manifesto de uma comissão de reclamações, que representa 4000
veteranos de guerra à espera da desmobilização formal desde 1992. De Barros foi
detido a 25 de junho pela polícia militar e, desde então, encontra-se detido na
sede da polícia militar judicial de Luanda. Também disse ter sido interrogado
por oficiais militares sem a presença de um advogado. A comissão já tinha
planeado um protesto em fevereiro, mas cancelou-o.
O direito angolano e internacional exige
o acesso imediato de todos os detidos a um advogado, que deverá ter permissão
para estar presente durante o interrogatório, para impedir interrogatórios
coercivos, afirmou a Human Rights Watch.
“As forças de segurança angolanas
tornaram as detenções duvidosas de veteranos de guerra ainda mais suspeitas
pelo facto de os terem interrogado na ausência de um advogado", afirmou
Lefkow. "Interrogar detidos sem a presença de um advogado suscita graves
preocupações de coerção".
Desaparecimento Possivelmente Forçado de
Organizadores de Protestos de Veteranos de Guerra
As detenções de veteranos de guerra a 20
e 25 de junho foram antecedidas pelo desaparecimento possivelmente forçado de
dois organizadores de um grupo ad hoc chamado Movimento Patriótico Unido (MPU),
que tinha organizado uma manifestação de veteranos de guerra e ex-guardas
presidenciais.
A 27 de maio, o MPU organizou uma
manifestação de ex-guardas presidenciais em Luanda para exigir o pagamento de
salários em atraso. As autoridades de Luanda tinham sido notificadas, de acordo
com o exigido pela legislação angolana. Apesar de os guardas presidenciais
terem retirado a sua participação para aguardarem novas negociações com a Casa
Militar Militar do presidente, outros grupos de veteranos de guerra juntaram-se
ao protesto, que foi dispersado pelas forças seguranças antes de chegar ao
palácio presidencial.
Após a manifestação, um líder do MPU,
António Alves Kamulingue, ligou a um jornalista da Voz da América e disse-lhe
que tinha fugido para um hotel no centro da cidade porque estava a ser seguido
e temia pela sua vida. Familiares de Kamulingue contaram à Human Rights Watch
que, desde esse dia, não voltaram a ter notícias suas. Procuraram informações sobre
ele em várias esquadras de polícia, bem como em todas as prisões e hospitais de
Luanda, mas as autoridades negam ter conhecimento do seu paradeiro.
A 29 de maio, Isaías Cassule, outro
membro do MPU, foi aparentemente raptado no bairro de Cazenga, em Luanda.
Alberto Santos, ex-membro da unidade de guardas presidenciais, que se encontra
atualmente escondido, contou num telefonema à Human Rights Watch que tanto ele
como Cassule tinham sido convocados por telefone para aquele ponto de encontro
por um alegado manifestante que declarou possuir imagens de vídeo do rapto de
Kamulingue. Santos disse que viu seis homens, alguns deles com chapéus e óculos
de sol, a arrastar Cassule para dentro de um carro. Santos conseguiu escapar.
Familiares de Cassule contaram à Human Rights Watch que não têm notícias suas
desde então. Comunicaram o seu desaparecimento à polícia e procuraram-no em
esquadras de polícia e hospitais.
De acordo com o direito internacional,
um desaparecimento forçado ocorre quando as autoridades detêm um indivíduo, mas
recusam-se a reconhecer esse facto ou não fornecem informações sobre o
paradeiro ou destino do indivíduo. Entre os direitos que um desaparecimento
forçado pode violar, figuram o direito à vida, à liberdade e à segurança,
incluindo proteção contra a tortura e outros maus-tratos.
Ameaças e Represálias Contra Jovens
Ativistas e Organizadores dos Protestos
Os organizadores das manifestações juvenis
também tem sido visados e ameaçados por causa das suas atividades, afirmou a
Human Rights Watch. Todos os líderes de protestos juvenis que falaram
recentemente com a Human Rights Watch disserem sentir que correm perigo de
vida.
A 14 de junho, Gaspar Luamba, estudante
universitário e organizador do movimento de protestos juvenis, foi raptado ao
meio-dia por quatro homens vestidos à civil, numa universidade no bairro de
Viana, em Luanda. Luamba contou à Human Rights Watch que os agressores pediram
a sua identificação e, de seguida, ordenaram-lhe que entrasse no carro, tendo-o
avisado para não resistir.
“Levaram-me para um estaleiro de
construção da empresa brasileira Odebrecht e interrogaram-me durante várias
horas”, contou Luamba à Human Rights Watch. “Exibiram facas e alicates e
ameaçaram usá-los. Perguntaram-me se os partidos da oposição nos estavam a
financiar e quanto é que queríamos. Ameaçaram-me a mim e aos meus colegas com a
adoção de medidas drásticas caso nos recusássemos a negociar. Mas não me agrediram
fisicamente.” Luamba disse que foi libertado várias horas depois.
Outro organizador dos protestos juvenis,
Adolfo Campos, foi atacado e ameaçado de morte por dois homens vestidos à civil
a 12 de junho. Contou à Human Rights Watch: “Dois Land Cruisers forçaram-me a
parar o carro na estrada às 22:00 horas. Saí do carro e dois indivíduos armados
com uma pistola e uma metralhadora automática bateram-me na cara com as armas.
Caí no chão e um deles apontou-me a sua arma. O outro disse: ‘Não o mates já. Vamos'".
Disse que os agressores revistaram o carro mas limitaram-se a levar o seu
telefone, tendo deixado 3000 dólares intactos.
Um dia antes, a 11 de junho, o conhecido
músico de rap e organizador de protestos juvenis, Luaty Beirão, foi detido
pelas autoridades portuguesas no aeroporto de Lisboa, após a polícia ter
detetado um pacote de cocaína numa roda de bicicleta, a única bagagem que
trazia no voo de Luanda, devido a receios de que a bagagem pudesse ser
adulterada. De acordo com os meios de comunicação social, um tribunal de Lisboa
ordenou rapidamente que Beirão fosse libertado, com base em fortes indícios de
que agentes da polícia angolana haviam colocado a droga na sua bagagem para o
incriminarem.
A 23 de maio, às 22:00 horas, no segundo
ataque do género em dois meses, 15 homens vestidos à civil, e armados com
barras de metal e pistolas, atacaram a residência de Dionísio
"Carbono", outro organizador de protestos juvenis, que recebia em
casa um grupo de jovens para discutirem o novo programa de rádio com a
participação de ouvintes do movimento juvenil, na rádio privada Despertar.
Vários jovens ficaram seriamente feridos e sofreram fraturas ósseas, de acordo com
a investigação da Human Rights Watch.
“O uso crescente de violência, ameaças e
outras represálias destinadas a silenciar organizadores de protestos é
alarmante", disse Lefkow. "Os parceiros regionais e internacionais de
Angola deveriam erguer as suas vozes e urgir o governo a pôr termo à violência
e a respeitar os direitos fundamentais.”
Para mais relatórios da Human Rights
Watch sobre manifestações em Angola, por favor visite:
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